Albino Martins

Concessionário de Praia | Ex-Nadador-Salvador | Pescador

Albino Martins é uma figura que os frequentadores habituais de Santa Cruz decerto já conhecem. Cresceu e vive nesta localidade, tendo “herdado” a concessão da praia de Santa Helena do seu pai, onde salvou dezenas de vidas. Actualmente já não é nadador-salvador, mas continua a trabalhar nesta praia.

Nesta entrevista falou da sua vida, do “encanto”de Santa Cruz e da sua evolução, bem como das actuais dificuldades dos concessionários, tendo deixado alguns importantes conselhos a quem escolhe a referida estância balnear para banhos…

 

Como começou a sua actividade como banheiro?

Comecei com os meus pais que eram os concessionários da praia de Santa Helena. Desde bebé que venho para esta praia, lembro-me de gatinhar aqui, a minha mãe tratava do arranjo dos panos das barracas e o meu pai lidava com os clientes das mesmas. Depois, com 6, 7 anos, comecei a armar as barracas com o meu pai e com 13 anos já salvava pessoas. Mas foi na praia Formosa que aprendi a nadar, na altura atirava-me de uma prancha que lá existia e até havia pessoas que me davam dinheiro. Mais tarde tirei o curso de nadador-salvador que não era como agora, na altura íamos a Peniche, fazíamos uma demonstração lá no cais, nadávamos uns 50 ou100 metros, e o capitão do porto ou um subordinado dizia se estávamos aptos e passavam-nos uma cédula marítima. A minha é de 65. Andei uns anos assim até ter tirado um curso de nadador-salvador e fui-o até aos 45 anos. A partir dessa idade passei a ser só concessionário. Actualmente os meus filhos também me ajudam aqui…

 

Salvou muitos banhistas ao longo da sua vida?

Sim, umas boas dezenas… Houve uns salvamentos mais difíceis do que outros, mas o mais difícil foi um em Junho de 68. Fui buscar um senhor aí a uns 200 metros da costa, com o mar bastante bravo. O meu pai tinha nadadores-salvadores, já velhotes, e eles tiveram medo de o ir buscar. Gritou por mim e tive de lá ir. Cheguei próximo do náufrago bastante cansado porque o mar estava sempre a partir em cima de mim, já só via os cabelos e um bocadinho da cabeça dele. Entretanto veio uma vaga que me afastou dele outra vez e fiquei a uns 5 ou 6 metros. Numa última tentativa agarrei-lhe nos cabelos e foi assim que o salvei. Houve um jornalista que estava por aí e publicou uma notícia sobre o episódio em que o título era “Ao menos obrigado”, porque o náufrago chegou a terra e nem um obrigado me deu. Esse salvamento foi o que mais me marcou porque foi muito arriscado. Na altura tinha 19 anos, estava na plenitude das minhas faculdades, mas hoje já não lá ia, era impensável.

 

Que outros trabalhos teve durante a sua vida?

Eu fui um pouco afectado por trabalhar aqui na praia. Quando saí da escola arranjei emprego em Lisboa, mas quando chegava a época balnear o meu pai ia-me buscar. Largava o emprego que tinha para depois do Verão ir procurar outro. E foi assim cinco ou seis anos até que decidi ficar aqui na praia. Como também sou um apaixonado por Santa Cruz não me arrependo.

Fora da época balnear tinha um barco em Peniche com o qual pescava, ia quase até Cascais. Fui também mergulhador, apanhava polvos, robalos. Também cheguei a trabalhar na construção civil e na agricultura porque o meu pai tinha uns terrenos que ainda hoje amanho.

 

Da sua vida na praia de Santa Cruz recorda algumas personagens pitorescas?

Uma delas foi o Catitinha, de que já poucas pessoas se lembram. Era um homem que tinha umas barbas grandes brancas e que teve um problema com uma filha que morreu de acidente e há quem diga que foi por causa dele… Essa pessoa ficou psicologicamente afectada para o resto da vida. Vinha todos os anos à praia de Santa Cruz e também corria outras praias por todo o país. Tinha um apito semelhante ao de um árbitro com que chamava os miúdos e dava-lhe um conforto muito grande pegar nas crianças. Dá-me impressão que ele sentia nas crianças a filha dele. E marcou-me muito, apesar de que tinha medo dele…

Outra pessoa desta praia que também me marcou bastante foi a tia Angelina das Pevides, uma velhinha com muita idade, magrinha, que calcorriava a praia a vender pevides durante todo o dia e não se cansava.

Também me marcou bastante uma história que ouvia contar de um japonês que era campeão de natação e que tentou tomar banho aqui com a sua esposa que também era campeã de natação. Ela viu que o mar estava perigoso e saiu, mas ele insistiu e acabou por morrer por ter embatido contra uma rocha que fica em frente à praia de Santa Helena…

 

Como disse anteriormente, também é pescador. Que peixe se apanha na zona de Santa Cruz?

É o safio, a faneca, o polvo, o robalo, o sargo. A sardinha que se apanha em frente ao Max é a melhor que há, e isso já foi comprovado. As nossas águas são frias e é isso que faz o peixe daqui ser mais saboroso.

 

Há algum tipo de peixe que se visse antigamente nesta zona e tenha desaparecido?

Até me sinto emocionado ao falar nisso… Havia os bodiões, que era um peixe com uns 2kgs, e os peixões, que eram parecidos com besugos. Apanhar este peixe à cana era o divertimento das crianças e até das pessoas mais adultas. Hoje em dia não se consegue ver sequer um desses peixes…

 

Actualmente vê-se menos pessoas a pescar na zona de Santa Cruz?

Está mais ou menos igual, o hábito do povo de ir à pesca continua…

 

Santa Cruz era antigamente um local onde se viam barcos de pesca…

É verdade. O meu pai tinha aqui um barco à vela e ia com ele para a pesca do safio, ia para a linha dos navios e passava lá toda a noite. Eles partiam, mas não sabiam quando é que chegavam, porque o mar de Santa Cruz é complicado, não se pode confiar no mar. O meu pai dizia que Peniche é como quem está na cama e Santa Cruz é como se está no mar, onde é preciso muito cuidado. Chegavam às vezes a ter de ir desembarcar na Ericeira e na Assenta. Quando eles partiam daqui viravam-se para a capelinha de Santa Helena e benziam-se, tinham medo, sabiam que iam, mas nunca sabiam quando chegavam…

 

Santa Cruz era então uma terra de pescadores?…

Era uma terra de barcos, de praia e também de agricultores…

 

Considera Santa Cruz um lugar realmente encantando, como algumas pessoas afirmam?…

Eu sou suspeito de dizer isso porque nasci cá, a minha família já era de cá, a minha avó inclusivamente era a dona da azenha, vivo cá e amo esta terra. Santa Cruz é como a minha família. Quando, por exemplo, saio para fazer um passeio com a minha mulher, pouco tempo depois fico desejoso de regressar a Santa Cruz. Este ar, esta paisagem, alimenta-me…

 

Na sua opinião Santa Cruz tem evoluído positivamente?

Não há dúvida que Santa Cruz actualmente está muito bonita. Há, de facto, de há alguns anos para cá um certo interesse em Santa Cruz. A intervenção de requalificação urbana feita aqui está realmente maravilhosa, foi tudo bem pensado, foi muito bom para a terra, e as pessoas também me dizem que isto está óptimo.

 

Nos últimos anos tem-se feito um trabalho contínuo ao nível da animação nocturna em Santa Cruz durante o Verão. Acha importante?

Sim, é importante, porque já haviam discotecas para os jovens, mas para as pessoas de mais idade e para as crianças não havia nada, e estas também têm o direito de se divertir à noite, foi muito bom… Os próprios comerciantes de Santa Cruz abriram algumas coisas com um certo requinte como o Pátio Amarelo, chega-se lá à noite e vê-se as pessoas ali naqueles bares, é bonito, antigamente não se via nada disso… mesmo a Rua José Pedro Lopes tem outro movimento, com as feiras de Verão, chegam a estar ali milhares de pessoas…

 

Está a apostar-se na afirmação de Santa Cruz como destino turístico associado aos desportos de ondas, organizando-se,por exemplo, o Santa Cruz Ocean Spirit. Considera positiva essa política?

Isso é tudo bem-vindo, até porque é um chamariz para os estrangeiros, essas actividades são importantes… Nós temos excelentes condições, o mar aqui é propício para o surf e para outros desportos…

 

Acha que as praias actualmente são mais seguras?

Hoje em dia há mais condições de segurança, até porque os próprios exames dos nadadores-salvadores são mais exigentes, eles têm muito mais capacidade. No entanto os nadadores-salvadores que tiram o seu curso têm licença para exercer as suas funções apenas durante três anos. E três anos é pouco. O nadar é como o andar de bicicleta, nunca se esquece. Penso que era razoável que de cinco em cinco anos os nadadores-salvadores prestassem provas. Era assim que acontecia antigamente. O meu filho, por exemplo, o ano passado chumbou na faculdade porque na altura em que devia estar a estudar teve de fazer o curso de nadador-salvador…

Por outro lado, os nadadores-salvadores deviam ter uma hora de almoço até para manter as forças. Antigamente havia até uma lei que determinava que à uma hora os nadadores-salvadores almoçassem. Actualmente andam tratados a sandes durante três meses e eu acho que isso não é correcto.

Por todas essas razões hoje em dia, para nós, concessionários, é extremamente difícil arranjar nadadores-salvadores…

 

Considera todavia que estão reunidas as condições para os banhistas de Santa Cruz se sentirem seguros durante a época balnear?

Sim, desde que respeitem as bandeiras e as indicações dos nadadores-salvadores. No entanto, acho que durante a época balnear era bom que as televisões públicas passassem unsslogans a sensibilizar os banhistas, como já aconteceu em outros tempos…

 

A Câmara Municipal tem tido algumas iniciativas no âmbito da segurança balnear como a instalação de sistemas de comunicação de emergência nas praias da Vigia e das Amoeiras e o financiamento de uma viatura de patrulha da costa do concelho. Considera-as positivas?

Sim, é um reforço, é muito importante, quanto mais melhor…

 

Acha que os banhistas actualmente têm uma conduta menos correcta do que antigamente?

Não tenho dúvida nenhuma. Não posso generalizar, mas o facto é que a grande maioria das pessoas não respeita as nossas ordens.

Antigamente as pessoas vinham-nos perguntar qual era o sítio mais indicado para se tomar banho e hoje acontece o contrário, dizemos às pessoas para não tomar banho quando é perigoso e algumas até respondem mal…

 

Gostava de deixar alguma mensagem aos banhistas de Santa Cruz e aos cidadãos em geral?

Gostava que as pessoas que vêm à praia respeitassem os sinais das bandeiras e acatassem as nossas indicações. Às vezes vejo banhistas a arriscarem aqui e não gosto, porque o mar é traiçoeiro, e eu já o conheço alguma coisa, mas não o conheço a 100 por cento…

 

Entrevista extraída da edição nº3 (julho/agosto de 2011) da revista municipal [Torres Vedras]